Eu era o único passageiro do ônibus naquela manhã chuvosa nada propícia para subir uma montanha, até o motorista me falou isso. Mas como eu só tinha 48 horas na Ilha de Skye, no oeste da Escócia, não havia outra maneira a não ser enfrentar o desafio que eu havia escolhido. A viagem de pouco mais de dez minutos terminou num estacionamento com quatro motorhomes e um banheiro na beira da estrada.
A chuva se tornara chuvisco, mas o vento ainda mostrava sua força matinal, me empurrando em direção aos portões que levavam à montanha rochosa. Ainda eram 7h30, então não havia nenhum sinal de vida humana a não ser a minha, só de ovelhas e lebres que se afastavam a cada passo que eu dava.
Considerado um dos lugares mais icônicos da Escócia, o The Old Man of Storr se gerou há milhões de anos depois de uma erupção vulcânica, fenômeno não tão raro no país, formando uma colina com pináculos rochosos que chegam a mais de 50 metros de altura. Ali, o cinza escuro das rochas se choca com o gramado verde, e mais ao fundo com o azul marinho do oceano que envolve a ilha, formando um visual dramático.
Na meia hora que se seguiu, resmunguei comigo mesmo sobre a força do vento, que inflava minhas blusas e me sacudia de um lado para o outro. O sol, indo na contramão, estava tímido, e lançava seus fracos raios sobre as planícies da região, esquentando o pouco da minha pele que estava à mostra.
Vale falar que eu estava parcialmente bem equipado para tal aventura, usava roupas térmicas e impermeáveis que me protegiam do pescoço ao tornozelo, mas as extremidades como pés e mãos não contavam com a mesma sorte, já que eu não usava luvas e calçava um All Star cano alto, o mais inadequado para essa atividade. Mas era isso ou deixar de visitar o lugar dos meus sonhos.
Eu já tinha mente como o The Storr se parecia, usava protetores de tela com fotos dali há quase 10 anos, mas estar aos pés de um lugar tão desejado trás uma perspectiva completamente diferente, além de dúvidas que as fotos exibidas no Google não mostram, como:
que criaturas se escondem nos buracos no alto das rochas?
por que tantas lesmas pretas ao longo da grama?
se eu cair e me machucar, quanto tempo vai levar pra alguém me achar?
Acredito que eu não vou encontrar as respostas para essas perguntas, mas enquanto eu estava ali, com aquela imensidão completamente para mim, todas as dúvidas e incertezas desapareceram, dando espaço para uma satisfação absoluta, era o check na minha lista de desejos. Para melhorar, o sol apareceu, tornando perfeita minha passagem por um dos lugares mais famosos de toda Escócia.
Mas a felicidade não é eterna, e nesse caso ela durou oito minutos, já que o vento varreu uma gigantesca nuvem negra para cima da montanha e aí se teve início meu maior desafio, onde questionei qual seria o desfecho da realização do meu sonho.
Certo de que a pseudo-tempestade iria embora da mesma forma que chegou, continuei subindo a trilha a fim de me esconder atrás de alguma rocha que pudesse me proteger dos pingos gelados que começaram a cair. Por sorte, encontrei um lugar quase que esculpido para tal situação, onde uma grande pedra servia como um escudo parcial e a grama formava uma espécie de banco que com certeza serviu de apoio para centenas pessoas que se aventuraram por aquelas bandas.
Depois de vinte minutos exposto à chuva e ao vento, meu corpo começou a esfriar e minhas extremidades a arder por causa do frio, com isso, decidi iniciar minha descida da colina. Só que o vento queria me varrer dali, fazendo eu me desequilibrar e meu tênis escorregar na grama molhada.
O pensamento de cair e me machucar pra valer naquele cenário primitivo me gerava medo, nem meu pai sabia que eu tinha me enfiado nessa, mas como não havia nenhum ser vivo à vista para me ajudar, busquei apoio me agarrando nas centenas de rochas presentes ao longo da trilha, que com certeza não sairiam voando e me dariam estabilidade suficiente para seguir caminho abaixo.
Não deu outra, de pouquinho em pouquinho, por uma hora inteira, pinguei de uma pedra para outra assim como os macacos pulam de galho em galho, até que finalmente cheguei ao final da trilha todo encharcado e acabado depois de uma aventura que se tornou inesperada.
Passando os portões que levam ao The Storr, pelo menos vinte pessoas esperavam o tempo melhorar para conhecer a formação milenar, e imagino que tenham tido uma experiência melhor que a minha, já que, durante os quarenta minutos que passei secando meus tênis no banheiro na beira da estrada, o céu ficou azul e o sol começou a brilhar, mas eu só queria me afastar do sonho que se transformou em pesadelo.